[Caroline Tavares]
“Nada deve parecer natural, nada deve parecer
impossível de mudar.” (Bertold Brecht)
Era um senhor de setenta anos, até há muito pouco tempo, independente. Com o acidente vascular foi obrigado a uma cadeira de rodas. Tinha que viver com grandes limitações motoras, mas sua capacidade intelectual estava intacta. Ele não se conformava com o paradoxo. Sentia-se muito mal pela perda da autonomia, pela sua incapacidade, por precisar dos outros, por supor incomodar, por enxergar – aqui e ali – alguma falta de respeito, por ser tratado como criança ou como ausente, pela falta de atividades sociais. Não se via mais ali, naquela vida.
impossível de mudar.” (Bertold Brecht)
Era um senhor de setenta anos, até há muito pouco tempo, independente. Com o acidente vascular foi obrigado a uma cadeira de rodas. Tinha que viver com grandes limitações motoras, mas sua capacidade intelectual estava intacta. Ele não se conformava com o paradoxo. Sentia-se muito mal pela perda da autonomia, pela sua incapacidade, por precisar dos outros, por supor incomodar, por enxergar – aqui e ali – alguma falta de respeito, por ser tratado como criança ou como ausente, pela falta de atividades sociais. Não se via mais ali, naquela vida.
Muitos trabalhos estavam sendo encaminhados: fisioterapia, fonoaudiologia, médicos e medicamentos, acompanhantes e cuidadores. Muita cobrança por melhora, para que ele se levantasse logo daquela cadeira e fizesse a vida – de todos – voltar ao que era.
Na primeira sessão levei alguns materiais para ver qual seria mais agradável para ele e qual se adaptaria melhor aos problemas de coordenação motora. Foi cooperativo e participante, fez traços coloridos com os lápis de cor e disse que era uma cerca.
Trabalhamos durante quatro meses, em doze sessões com os seguintes objetivos: criação de um canal de livre expressão, busca de autonomia e novas atividades, aumento da auto-estima e fortalecimento da identidade.
Certamente, muito ainda poderia ser trabalhado, visto a complexidade do caso. Porém, nesse curto espaço de tempo foi possível romper a passividade, fortalecer a identidade e “desenhar” uma vida mais agradável, com medidas de rotina mais acertadas e com confiança para falar sobre seus sentimentos, desejos, conflitos e escolhas certo de ser merecedor do respeito de todos.
Essa mudança teve início nas primeiras sessões, com a re-significação de um símbolo. Fez o primeiro desenho sem nenhuma intenção, pegou os lápis, um de cada vez, e riscou precariamente; depois olhou e reconheceu uma cerca. A cerca era colorida, mas, para ele retratava a prisão em que se encontrava. Sem autonomia, sem movimento, sem voz, sem escolha, sem esperança, sem motivação.
Na segunda sessão, voltamos ao desenho e falei sobre a cerca poder ser um refúgio, um lugar interno de força e proteção. E os olhos dele acenderam, ficou encantado e emocionado com essa possibilidade. Seu segundo desenho foi uma casa em perspectiva, feita com dificuldade devido aos problemas de coordenação motora, mas com empenho, firmeza, intenção e empoderamento. Enquanto desenhava falava como se sentia e como era tratado pelos familiares e cuidadores. O vínculo terapêutico se estabeleceu.
A partir daí, trabalhamos, principalmente, com seu nome e com imagens escolhidas por ele. Figuras diversas eram coladas em folhas de papel enquanto ele contava episódios de sua vida; seu nome foi escrito com recortes de revistas, adesivos e assinaturas trêmulas foram repetidas para devolver àquele senhor o seu poder e a sua identidade.
“E é para dentro dessa cidadela de silêncio que o homem ‘espiritual’ se recolhe, a fim de defender-se contra todos os ataques do exterior, dos sentidos e da ansiedade, pois nela reside o seu poder, e é dela que ele extrai a sua força.” (Dicionário de Símbolos – Chevalier e Gheerbrant)
Este exemplo ilustra a maneira como ideias pré-estabelecidas podem engessar a criatividade e o surgimento de novas visões. E também como a Arteterapia pode contribuir para a transformação e re-significação da vida.