3 de ago. de 2010

Re-significando ideias e símbolos

[Caroline Tavares]


“Nada deve parecer natural, nada deve parecer
impossível de mudar.” (Bertold Brecht)

Era um senhor de setenta anos, até há muito pouco tempo, independente. Com o acidente vascular foi obrigado a uma cadeira de rodas. Tinha que viver com grandes limitações motoras, mas sua capacidade intelectual estava intacta. Ele não se conformava com o paradoxo. Sentia-se muito mal pela perda da autonomia, pela sua incapacidade, por precisar dos outros, por supor incomodar, por enxergar – aqui e ali – alguma falta de respeito, por ser tratado como criança ou como ausente, pela falta de atividades sociais. Não se via mais ali, naquela vida.

Muitos trabalhos estavam sendo encaminhados: fisioterapia, fonoaudiologia, médicos e medicamentos, acompanhantes e cuidadores. Muita cobrança por melhora, para que ele se levantasse logo daquela cadeira e fizesse a vida – de todos – voltar ao que era.

Na primeira sessão levei alguns materiais para ver qual seria mais agradável para ele e qual se adaptaria melhor aos problemas de coordenação motora. Foi cooperativo e participante, fez traços coloridos com os lápis de cor e disse que era uma cerca.

Trabalhamos durante quatro meses, em doze sessões com os seguintes objetivos: criação de um canal de livre expressão, busca de autonomia e novas atividades, aumento da auto-estima e fortalecimento da identidade.

Certamente, muito ainda poderia ser trabalhado, visto a complexidade do caso. Porém, nesse curto espaço de tempo foi possível romper a passividade, fortalecer a identidade e “desenhar” uma vida mais agradável, com medidas de rotina mais acertadas e com confiança para falar sobre seus sentimentos, desejos, conflitos e escolhas certo de ser merecedor do respeito de todos.

Essa mudança teve início nas primeiras sessões, com a re-significação de um símbolo. Fez o primeiro desenho sem nenhuma intenção, pegou os lápis, um de cada vez, e riscou precariamente; depois olhou e reconheceu uma cerca. A cerca era colorida, mas, para ele retratava a prisão em que se encontrava. Sem autonomia, sem movimento, sem voz, sem escolha, sem esperança, sem motivação.

Na segunda sessão, voltamos ao desenho e falei sobre a cerca poder ser um refúgio, um lugar interno de força e proteção. E os olhos dele acenderam, ficou encantado e emocionado com essa possibilidade. Seu segundo desenho foi uma casa em perspectiva, feita com dificuldade devido aos problemas de coordenação motora, mas com empenho, firmeza, intenção e empoderamento. Enquanto desenhava falava como se sentia e como era tratado pelos familiares e cuidadores. O vínculo terapêutico se estabeleceu.

A partir daí, trabalhamos, principalmente, com seu nome e com imagens escolhidas por ele. Figuras diversas eram coladas em folhas de papel enquanto ele contava episódios de sua vida; seu nome foi escrito com recortes de revistas, adesivos e assinaturas trêmulas foram repetidas para devolver àquele senhor o seu poder e a sua identidade.

“E é para dentro dessa cidadela de silêncio que o homem ‘espiritual’ se recolhe, a fim de defender-se contra todos os ataques do exterior, dos sentidos e da ansiedade, pois nela reside o seu poder, e é dela que ele extrai a sua força.” (Dicionário de Símbolos – Chevalier e Gheerbrant)

Este exemplo ilustra a maneira como ideias pré-estabelecidas podem engessar a criatividade e o surgimento de novas visões. E também como a Arteterapia pode contribuir para a transformação e re-significação da vida.